Atualmente, já é rotina da estrada encontrar mulheres ao volante de imponentes caminhões, cortando as estradas, em uma profissão que anos atrás era dominada por homens. Uma dessas guerreiras do asfalto é a caminhoneira Sandra.
Ela começou a viajar com seu amado nas férias do trabalho, ainda adolescente. Depois, para ficar mais perto dele, começou a acompanhá-lo em tempo integral, complementando seus estudos a distância, fazendo comida, lavando roupas e até dirigindo o caminhão.
Primeiramente nas fazendas, depois em locais planos e nas serras, ganhando experiência e confiança aos poucos.
Sandra também ajudava seu marido quando aconteciam problemas no veículo e nas manutenções de rotina, para aprender todos os detalhes do ofício.
Em um fim de semana em que ficou em casa para fazer as aulas presenciais da faculdade, seu marido seguiu viagem sozinho, foi assaltado, aparentemente reagiu e acabou sendo assassinado pelos criminosos.
“Fiquei sem chão. Tentei reconstruir minha vida, voltei para meu antigo trabalho (professora), mas as dificuldades econômicas e outros compromissos eram maiores. Decidi então que seria motorista profissional”, afirma Sandra, em entrevista ao Pamclube Caminhoneiro. “Entendi que o mundo não para por causa de nossas fraquezas”, completa.
Após alguma procura, conseguiu trabalho e hoje agradece a essas empresas que lhe deram oportunidade e também às mulheres que vieram antes dela para a estrada, mostrando que elas são capazes de enfrentar os desafios das rodovias tão bem quanto os homens.
“O que eu gostaria de dizer para nossas meninas, independentemente se sonham em ser motoristas, é que a rainha da Inglaterra recebia em sua infância noções de mecânica e direção, entre outros ensinamentos. Quero dizer com isso que uma mulher forte é aquela que busca aprender sempre”, ressalta Sandra, falando sobre a importância de entender o transporte. Para chegar a se tornar motorista profissional, Sandra não esquece que dependeu da ajuda de muitas pessoas pelo caminho, não por ser mulher, mas para saber fazer as coisas do jeito mais correto possível. “Para quem sonha em ser motorista profissional, infelizmente não tem curso que prepare para todas as situações na estrada. Mesmo quem já está há anos viajando aprende algo todos os dias, mas tem algumas instruções básicas”, diz Sandra, enumerando as instruções abaixo.
1. Características que variam de acordo com cada veículo e com as indicações de seus fabricantes: nível de óleo e água, manutenção de pneus, freios, suspensão, troca de óleo e filtros. É importante prestar atenção a ruídos e vazamentos.
2. Conhecer as leis de trânsito e as restrições de cada lugar para onde vai viajar.
3. Planejar a viagem: percurso, pernoite, abastecimento. Parar em local seguro.
4. Não sabe? Pergunte sempre (seja para um colega, frentista ou mecânico).
5. Tenha um projeto de vida (viajar por um período), pois, assim como toda profissão, essa tem seus altos e baixos e também depende de demanda. Custo-benefício, tempo de estrada etc.
6. Dirigir exige confiança e requer tempo. Não acompanhe quem não demonstra interesse em adequar o ritmo da viagem ao saber que você é inexperiente (velocidade, horas de descanso etc.).
7. Qualidade de vida vale mais do que a rotina da profissão.
8. É muito importante levar nas viagens uma caixa de ferramentas básicas.
Entre tantos quilômetros rodados, a caminhoneira Sandra já viveu muita coisa e tem muitas histórias para contar. Ela nos conta uma bacana que viveu na estrada: “Um dia, parei no posto para almoçar e vi um senhor no pátio pedindo carona. Cabelos brancos, magro, tinha nas mãos uma sacola plástica com uma lanterna dentro e uma mala pequena. Estacionei e, enquanto pegava minha carteira, ele puxou a porta do meu caminhão, que estava entreaberta. Demorou alguns minutos para ele entender que era uma mulher que estava ao volante. Ao explicar até onde queria ir, se desculpava várias vezes porque não ouvia direito e precisava pedir que eu repetisse. Pedia desculpas por isso o tempo todo, o que arrebentava meu peito. Eu não podia simplesmente dizer que a empresa não permite carona e ignorar ele ali. Pedi ajuda no posto e ofereci um lanche para ele no restaurante. Fiquei mais preocupada quando ele disse que estava no hospital. Com ajuda da assistência social, foram localizadas a família e a ambulância que levaria os pacientes de volta para casa, na qual aquele senhor deveria estar. Era um agricultor, tinha 95 anos e estava a 300 km de casa. Eu vi naquela situação que poderia ser meu pai. Imagino que, se as coisas já são difíceis pra nós, são mais difíceis ainda quando o corpo já tem limitações. Nesse dia, terminou tudo bem e ele voltou para casa. A gente precisa fazer a diferença no mundo, não dá pra sermos só mais um”.
Outra história legal vivida por Sandra retrata bem a interação dos caminhoneiros, que conversam nas estradas por meio dos sinais dos caminhões, avisando que à frente pode haver perigo. “Um dia, passando por dentro de uma cidade, na BR-242, um motorista deu sinal de luz. Nem vi que caminhão era, mas é automático para o caminhoneiro ficar atento à frente para saber o que o motorista quis avisar. O tráfego estava intenso de caminhões nos dois sentidos e, logo à minha frente, uma criança acenava pedindo espaço para atravessar a rodovia. Meu gigante de aço se curvou para aquele menino. Liguei os alertas e fiz sinal para o motorista que vinha no sentido contrário, que, imediatamente, repetiu o procedimento. Com aproximadamente 8 anos, vestindo shorts, chinelos e camisa de botão, ele tinha o cabelo raspado e, na mão, carregava uma sacolinha de mercado. O menino atravessou a pista em segurança. Do outro lado, em cima do meio-fio, se virou pra mim e fez sinal de positivo. Em seguida, se virou para o outro caminhão em reverência para arrebentar com o coração dos motoristas. E, enquanto, recebia as buzinadas, saiu saltitando nas escadarias. Eu não sei quem era o motorista que deu o sinal, mas só queria dizer: ‘Vá com Deus, parceiro, proteção divina na sua caminhada, que o anjinho da guarda o proteja e guie sua família e seus filhos enquanto você está distante trabalhando. Que São Cristóvão o guie são e salvo de volta ao seu lar em cada jornada’. Seu pedido foi entendido e executado com sucesso. Talvez, naquele dia, mais uma vez, plantamos no coração de uma criança a certeza de que o mundo pode ser mais gentil”.